Rock Brazuca

Módulo 1000 - Não Fale Com Paredes (1972)

Para início de conversa, deixe de lado aquela garrafa de vinho que faz a famosa dobradinha com um bom e velho Rock 'N Roll nas caixas, afinal, em se tratando desse trabalho, "Não Fale Com Paredes" já é a dobradinha sem precisar de bebidas ou coisas do tipo. É assim que começo a VIAGEM para essa resenha sobre o único (e raro) álbum lançado pelos cariocas do Módulo 1000, uma pérola que ficou perdida ao vento mas que no decorrer dos anos virou um clássico à prova do tempo.

O tempo que a banda ficou na ativa foi, bem dizendo, meteórica, mas suficiente para deixar este registro estratosférico, peça fundamental e uma das pioneiras do Rock Progressivo/Psicodélico em nosso país, LP disputado à socos por colecionadores, trabalho cultuado na Europa e afins, o Módulo 1000 é uma banda que merece total atenção diante disso tudo, coisa que, infelizmente, não conseguiram na época do lançamento. Quem viveu que o diga.

À primeira audição, temos que analisar com cuidado todo esse conjunto de riffs e levadas sombrias que, com frequência, se faz presente no disco. Turpe Est Sine Crine Caput, por exemplo, cantada em latin, já dá a carta na mesa para mostrar o que se seguirá ao longo da audição, com muita pegada à la Black Sabbath e Led Zeppelin, coisas que Daniel Cardona ouvia e colocava em prática no processo de criação do Módulo 1000. Não Fale Com Paredes mantém a linha e se torna marcante pelos solos de guitarra gritados no meio de uma psicodelia em um dos momentos mais pesados do álbum. Espêlho vem em seguida dando um ar de calmaria em uma viagem pelo cérebro num ritmo sem volta, apenas convocando o ouvinte à ver "o outro lado da realidade" por meio de sons. 
Lem-Ed-Êcalg, Glacê-De-Mel ao contrário, é um instrumental de apenas um minuto e quinze segundos freneticamente calcado no Rock Progressivo, lembrando, em alguns momentos, o Emerson, Lake & Palmer, mas com aquele lance original que o Módulo 1000 conseguia calcar em suas canções. Ôlho Por Ôlho, Dente Por Dente tem um riff marcante e um olhar fixo ao redor das letras que se encaixam perfeitamente à melodia e ao que tudo sugere. Metrô Mental, sem sombra de dúvidas, é um exercício alucinante e visceral. Se você não voltar da viagem, lembre-se de que no primeiro parágrafo da resenha a palavra "viagem" foi bem escrita e relevante, um aviso para algo que pode se associar ao filme de Stanley Kubrick, o clássico 2001, Uma Odisseia no Espaço, de 1968, onde a presença de diálogo fica para segundo plano para levar as reflexões do homem à um outro patamar de realidade e de filosofia. Teclados, como o próprio nome já diz, é uma peça instrumental e exercício auditivo do tecladista Luiz Paulo Simas. Apenas teclados, mais nada. Salve-se Quem Puder segue a linha das duas primeiras faixas e indo à uma direção de muito peso centrado, termina sem que o ouvinte espere por isso. Animália encerra o treinamento musical desse raro item em uma outra doideira instrumental. 

Com certeza, fazendo parte da história do grupo à época, todo esse punhado de músicas psicodélicas e de alucinações pesadas não agradou o pessoal da Top Tape, sendo, em muitos momentos, chamado de "merda!" pelo caras da gravadora, citando a enorme preocupação de lançar um disco sem nenhum "potencial comercial". Histórias essas que fazem do Rock 'N Roll algo apaixonante e delirante à ponto de se sair da sua gravidade normal, "Não Fale Com Paredes" com certeza está no Rock Brazuca do Vinho & Vitrola, para mostrar a boa música feita pelos cariocas Daniel Cardona (Vocal, Guitarra), Luiz Paulo Simas (Teclados, Órgão, Vocal), Eduardo Leal (Baixo) e Candinho (Bateria), uma grande pérola vagando no ar dos maravilhosos anos setenta. Sim, o Rock no Brasil não começou nos 80's.

01 Turpe Est Sine Crine Caput
02 Não Fale Com Paredes
03 Espêlho
04 Lem - Ed - Êcalg
05 Ôlho por Ôlho, Dente por Dente
06 Metrô Mental
07 Teclados
08 Salve-se Quem Puder
09 Animália
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Arnaldo Baptista - Lóki? (1974)

Após uma fase de reinado com o grupo Os Mutantes no final da década de 60 e início de 70, as coisas dentro do grupo não pegavam carona só de flores e divergências musicais pairavam sobre todos, principalmente por Rita Lee, que abandonou o barco em 1972 para dar início à sua carreira solo. Nesta reviravolta, o casamento de 8 anos com Arnaldo também chega ao fim. Misturado à tudo isso, o LSD fazia o cara viajar o dia inteiro, além de sua infelicidade e da forte depressão na qual passava. Com composições na bagagem, o "gênio-maluco" brasileiro contatou André Middami, dono da Philips, para ajudá-lo nessa empreitada de vôo solo e necessidade insana de desabafo.

Com a ajuda dos ex-Mutantes Dinho (Bateria) e Liminha (Baixo), além de Rita Lee dando uma força nos Backin' Vocais (Já dá pra imaginar que só de ter Rita no estúdio junto nas gravações já deixou Arnaldo completamente zureta) e Rogério Duprat nos arranjos. Produção de Roberto Menescal e Marco Mazzola. A sensação pungente bate de reflexo diretamente à nós, com "uivos" de sofrimento intenso ao longo do disco. A faixa que abre a bolacha, por exemplo, SERÁ QUE VOU VIRAR BOLOR? é de completo desabafo e, em certos momentos, esbaldando-se em Rock N' Roll e sacudindo no refrão. Faixas como UMA PESSOA SÓ, remete diretamente à Rita Lee, e composta ainda nos tempos de Mutantes. NÃO ESTOU NEM AÍ é um grito de desesperança para com a vida, tendo sua antiga parceira nos vocais de apoio. VOU ME AFUNDAR NA LINGERIE também teve a ajuda da rainha do Rock brasileiro e segue com a formidável instrumental HONKY TONKY, um jazz fusion genial de Arnaldo. CÊ TÁ PENSANDO QUE SOU LÓKI? é uma bossa-nova de vocais "cansados" de Arnaldo Baptista, além do mesmo deixar passar a palavra "Cilibrina" em certo momento da canção (nome que Rita usou em sua dupla no festival Phono de 1973). DESCULPE e NAVEGAR DE NOVO são dois pedidos de socorro e de perdão que se entrelaçam de um modo inexplicável onde,  só o gênio, em muitas vezes, consegue detectar o que ele mesmo fez, mas não deixa transparente em nossos ouvidos sua angústia em torno delas. TE AMO PODES CRER tem um lindo trabalho de piano e um inconformável entendimento do amor. É FÁCIL fecha o disco e mostra um trabalho único de violão de Arnaldo e que chega muito perto do folk. 

Lóki? é um dos melhores trabalhos dos anos 70, ficando, pela revista Rolling Stone, na posição 34 dos álbuns brasileiros mais importantes da história. Realmente, juntando sua depressão com o uso contínuo de LSD, fez nosso grande gênio ver até discos voadores. Mas, com certeza, é um álbum que não pode passar batido, mas que infelizmente é transparente por grande parte do público, sendo procurado somente por àqueles que realmente se interessam pelo trabalho desse grande compositor. 

01. Será Que Vou Virar Bolor?
02. Uma Pessoa Só
03. Não Estou Nem Aí
04. Vou me Afundar na Lingerie
05. Honky Tonky
06. Cê Tá Pensando Que Sou Lóki?
07. Desculpe
08. Navegar de Novo
09. Te Amo Podes Crer
10. É Fácil

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